“Não me interesso muito pelo teatro em torno das ideias”, diz Cildo Meireles

É empolgante ver o artista plástico brasileiro Cildo Meireles falando de arte – especialmente porque, longe de qualquer formalismo acadêmico, para ele a arte deve ser – mais do que vista – sentida, experimentada, sem a busca de explicações ou decifrações complexas. “Se uma pessoa não conhece matemática, tudo que cerca números pode parecer difícil. Normalmente, a explicação é simples. O mistério nasce da ideia. E eu não me interesso muito pelo teatro em torno das ideias”, disse o artista plástico em entrevista ao UOL Cinema.
      Cildo Meireles

Dirigido por Gustavo Rosa de Moura, “Cildo”, documentário sobre o artista e sua arte, que estreia nesta sexta-feira em São Paulo, desmistifica com eficiência o clichê de que arte conceitual é inacessível – ou seja, segue a mesma proposta do retratado. “Não há entrevistas com críticos, acadêmicos, pesquisadores. No filme, quisemos deixar que as pessoas pensassem sozinhas. Damos os elementos, mas cada um pode refletir por si próprio. Não há obrigação de acompanhar um raciocínio”, explica o diretor.

Moura sabe que filmar uma instalação de Cildo não substitui a visita física à obra mas, com sua câmera, tentou buscar o máximo que cada peça poderia render no cinema. “Cada obra precisou de uma solução diferente. ‘Babel’, por exemplo, é uma instalação com diversos rádios. Buscamos algo meio onírico”, conta o cineasta, que trabalhou com Alberto Bellezia assinando a fotografia.

O próprio Cildo destaca o trabalho de Bellezia no registro de suas obras com a câmera, alegando que essa integração entre a imagem e a peça física mostra como é o contato entre uma pessoa e as artes plásticas. “Muitos dos meus trabalhos só existem no momento em que você interage com eles. A arte plástica pressupõe um contato físico. O Gustavo e o Alberto mostram no filme como isso pode se dar”.

O diretor não conhecia o artista plástico pessoalmente quando foi convidado a dirigir o filme. A apresentação aconteceu por intermédio de um amigo em comum. Ao longo dos anos, desde 2005, Moura acompanhou Cildo e seu trabalho, captando imagens sobre a montagem de peças, exposições – especialmente uma retrospectiva na galeria Tate Modern, em Londres, que ocorreu entre outubro de 2008 e janeiro de 2009.

Para Cildo, a relação de quatro anos com Moura resume-se numa palavra: camaradagem. “O filme me acompanha a diferentes lugares e contextos e é capaz de passar a minha velocidade, o jeito que eu lido com a criação, com as obras. Não me senti traído – pelo contrário”, afirma o artista.

Ao longo de sua pesquisa para “Cildo”, o documentarista encontrou um curta de 1979 sobre o artista plástico dirigido por Wilson Coutinho, crítico de arte do jornal “O Globo”, morto em 2003. “O filme ia bem ao encontro da minha arte. É um curta com inserções ideológicas”, diz o artista. Numa das cenas, que é exibida no longa, John Wayne, numa cena de western, é dublado em português, falando sobre a arte de Cildo. Moura adianta que o curta sairá como extra do DVD.

Os mais de trinta anos que separam os dois filmes sobre Cildo poderiam levá-lo a pensar sobre sua trajetória, mas ele prefere trabalhar a reexaminar o passado. “É sempre estranho rever a si mesmo. São tempos diferentes, a gente sempre muda. Nesses anos aconteceram muitas obras e exposições. O documentário me deu uma oportunidade rara de revisitar os meus trabalhos. Rever a si mesmo dando alguns passos não é estranho. Mas rever sua carreira toda é outra coisa.”

Fonte: UOL Cinema – Últimas notícias