Prestes Maia (Amparo SP 1896 - São Paulo SP 1965)
Prestes Maia foi engenheiro civil, arquiteto e urbanista. Formou-se engenheiro-arquiteto pela Escola Politécnica de São Paulo - Poli, em 1917. Iniciou sua carreira profissional com um escritório de construção e negócios imobiliários. Em 1918, foi nomeado engenheiro da Secretaria de Viação e Obras Públicas, e logo se tornou diretor de Obras Públicas (DOP). Em 1924, foi contratado como professor interino da Poli, onde lecionou desenho geométrico e à mão livre, desenho arquitetônico, esboço do natural e desenho de perspectiva, disciplina que tinha como titular o arquiteto Victor Dubugras (1868-1933).
Na administração municipal, Prestes Maia desenvolveu estudos sobre o sistema viário e de transportes de São Paulo, com base no projeto do Perímetro de Irradiação, proposto pelo engenheiro Ulhôa Cintra (1887-1944) em 1924. Tornou-se professor efetivo da Poli em 1927, mas, devido à proibição de acúmulo de cargos públicos, deixou a escola em 1937, permanecendo na Secretaria de Obras Públicas. Em 1930, apresentou o Estudo de um Plano de Avenidas para a Cidade de São Paulo, conhecido como Plano de Avenidas, que foi premiado no 4º Congresso Pan-Americano de Arquitetos, realizado no Rio de Janeiro. No mesmo ano, fundou o Instituto Paulista de Arquitetos, sendo seu vice-presidente no primeiro biênio (1930-1931). Também participou do 1º Congresso de Habitação do Instituto de Engenharia em 1931 e, em 1933, deu parecer sobre o plano do Recife, elaborado pelo arquiteto pernambucano Nestor de Figueiredo, publicando posteriormente Os Melhoramentos do Recife.
Em 1935, colaborou para a fundação da Sociedade Amigos da Cidade, tornando-se seu primeiro presidente. Com a reivindicação dessa entidade, foi criada, em 1937, a Comissão do Plano da Cidade, que possibilitou a implementação, ainda que parcial, do Plano de Avenidas, após sua nomeação como prefeito de São Paulo, em 1938, indicada pelo interventor Adhemar Pereira de Barros (1901-1969). Prestes Maia permaneceu no cargo até 1945, sob a interventoria de Fernando de Souza Costa (1886-1946), e executou uma série de obras previstas no plano, como as avenidas Nove de Julho, Vinte e Três de Maio e a Radial Norte, depois chamada Prestes Maia, formando o Sistema Y, que estruturou o crescimento da cidade.
Iniciou a retificação do rio Tietê e criou a Divisão de Rios e Águas Pluviais, autorizando as desapropriações necessárias para as obras, incluindo a execução da avenida marginal ao rio. Em 1939, diante da não renovação do contrato de transportes com a Light & Power Company, criou a Comissão de Estudos de Transportes Coletivos, que resultou na criação da Companhia Metropolitana de Transportes Coletivos (CMTC) em 1946. Em 1941, ainda na prefeitura, propôs alterações no Código de Obras do Município em relação às edificações da zona central. De 1941 a 1942, fez parte da diretoria do Instituto de Engenharia e, em 1945, participou do júri de ideias para a Cidade Universitária. Em 1946, retornou às atividades no DOP e seguiu com seu escritório, elaborando planos para diversas cidades, como Santos, Campos do Jordão, Campinas e Recife. Em 1950, concorreu ao governo do Estado de São Paulo pela União Democrática Nacional (UDN), ficando em último lugar.
Na gestão do prefeito Jânio Quadros (1917-1992), tornou-se membro da Comissão do Plano do Município em 1953. No ano seguinte, tentou novamente a candidatura ao governo do Estado, obtendo o terceiro lugar. Em 1954, participou de uma comissão criada pela prefeitura para estudar um sistema metropolitano de transportes coletivos e, em 1956, elaborou, em equipe, o Anteprojeto para um Sistema de Transporte Rápido para São Paulo, cujo plano foi rejeitado pela Câmara Municipal. Em 1957, foi candidato à prefeitura, indicado por Jânio Quadros, mas perdeu para Adhemar de Barros, que arquivou o anteprojeto do metropolitano. Em 1961, foi novamente eleito prefeito, com o apoio do governador Carvalho Pinto (1910-1987). Durante essa gestão (1961-1965), propôs medidas para sanear as finanças do município e retomou o projeto do metropolitano, criando um grupo para revisar os projetos existentes. Além de suas atividades como engenheiro na administração pública, Prestes Maia colaborou com revistas como Arquitetura e Construções e Investigações, e presidiu a Companhia Brasileira de Cimento Portland.
Comentário crítico
Prestes Maia inicia uma nova era no planejamento urbano de São Paulo. Seu principal projeto, o Plano de Avenidas, é considerado um documento crucial do urbanismo brasileiro, definindo padrões de expansão que prevalecem pelo menos até os anos 1990 na capital paulista.
Em 1918, quando é nomeado engenheiro da Secretaria de Viação e Obras Públicas do Município, conhece o engenheiro João Florence de Ulhôa Cintra (1887 - 1944), técnico da Diretoria de Obras Municipais, que se torna seu parceiro de concepções e de projetos urbanísticos por um longo período, além de uma espécie de mentor profissional. É de Cintra, por exemplo, a primeira proposta de intervenção urbana que ultrapassa os limites da colina central - o Perímetro de Irradiação, 1922 -, um anel de circulação viária inspirado nos estudos de Eugène Hénard (1849 - 1923), o "pai do urbanismo francês". Alguns anos depois a dupla retoma esse projeto ao publicar uma série de artigos intitulados Um Problema Atual. Os Grandes Melhoramentos de São Paulo, no Boletim do Instituto de Engenharia de São Paulo. Esses artigos, segundo estudiosos do urbanismo paulistano, contêm as principais idéias do Plano de Avenidas, como se torna conhecido o Estudo de um Plano de Avenidas para a Cidade de São Paulo, apresentado em 1930 num luxuoso volume de 356 páginas, com inúmeras fotos e ilustrações e 17 pranchas de desenhos coloridos.
O Plano de Avenidas é a principal proposta urbanística para São Paulo até aquele período, pois é a primeira vez que a cidade é pensada como um todo, num projeto de intervenção e de organização espacial que visa não apenas à área central, mas a um verdadeiro plano geral. Ainda que o nome, Plano de Avenidas, possa remeter a uma visão estrita de intervenções - concentradas no problema da circulação -, é o próprio Prestes Maia quem se encarrega de esclarecer a amplitude de suas preocupações, ao dizer que "qualquer projeto de rua envolve, implícita ou explicitamente, uma concepção sobre a cidade, sua estrutura, seu desenvolvimento". Retomando trabalhos anteriores e revelando familiaridade com a melhor bibliografia da época, Prestes Maia se mostra uma espécie de virtuose do urbanismo moderno, buscando unir influências diversas e propostas variadas, recorrendo a exemplos de mais de vinte cidades, para finalmente construir um modelo formal que se adaptasse à estrutura urbana existente em São Paulo, derivada de sua conformação radiocêntrica.
O urbanista divide seu plano em dez capítulos e na introdução, espécie de justificativa, explica que ali se planeja para o futuro e para a cidade toda. Maia busca na cidade real as diretrizes que possam orientar o crescimento e garantir o bom funcionamento, diferentemente, por exemplo, das propostas de Le Corbusier (1887 - 1965), que estão no horizonte do urbanismo moderno àquela altura e propõem a destruição do existente para a criação de uma nova cidade e, por que não dizer, sociedade. Ao contrário, o engenheiro "buscava a construção de um modelo urbano que permitisse encontrar um termo de convivência entre a cidade arcaica, o espaço pré-industrial, e a metrópole que se configurava", como explica o arquiteto Samuel Kruchin, num projeto "eminentemente conciliatório" cujo objetivo "é o justo equilíbrio entre a velha ideologia que já fez seu tempo, e a nova, que ainda não fez suas provas", nas palavras do próprio Maia. Assim, os dez capítulos vão se dividindo entre "legislação", "soluções viárias", "transportes" e "complementos" diversos, tentando dar conta da multiplicidade da cidade real.
A principal parte do plano é sem dúvida a dedicada às soluções viárias, e a ordem de apresentação reflete as prioridades do autor. Primeiramente surge o "perímetro de irradiação", tomado da proposta de Cintra: um circuito de novas e amplas avenidas e viadutos em torno da colina histórica e de um centro novo na região da Praça da República, pretendendo ser ao mesmo tempo solução viária e intervenção embelezadora. Este circuito recebe o fluxo das "vias radiais" antes que estas cheguem ao centro, impedindo o congestionamento do mesmo. As principais radiais incluem avenidas existentes e outras abertas para desempenhar a função, ligadas não apenas pelo perímetro de irradiação, mas por outros dois circuitos perimetrais suplementares, um interno (passando pela avenida Paulista) e outro externo (origem das futuras avenidas marginais dos rios Tietê e Pinheiros), concêntricos ao primeiro.
Outro importante ponto do sistema viário desenvolvido no plano é o chamado Sistema Y, que de fato define e orienta o crescimento de São Paulo a partir desse momento: uma avenida que, diferentemente das outras radiais, atravessa o centro na direção norte-sul e se bifurca em duas avenidas de fundo de vale na vertente sul (Nove de Julho e Vinte e Três de Maio) - solução, aliás, que se consagra em São Paulo e vai orientar a abertura de novas avenidas.
A Revolução de 1930 muda a conjuntura política e o projeto apresentado à Câmara tem que esperar alguns anos até ser retomado. É somente em 1938, quando Prestes Maia é nomeado prefeito pelo interventor Adhemar Pereira de Barros (1901 - 1969), que o plano é parcialmente executado, numa gestão que se notabiliza pela busca de mais eficiência da máquina administrativa por meio do equilíbrio das finanças e da valorização do corpo técnico. Permanecendo no cargo por duas gestões, até 1945, Prestes Maia executa uma série de obras previstas no plano, definindo o perfil do crescimento de São Paulo.
Nos anos 1950, o engenheiro simboliza claramente uma linha de intervenção urbana que se vincula à idéia de expansão ilimitada e busca nas grandes obras urbanas as soluções para a cidade, opondo-se a outro importante urbanista paulista, Luís Inácio de Anhaia Mello (1891 - 1974) - defensor da idéia de controle do crescimento urbano por meio de um anel verde em torno da cidade -, e ao padre dominicano francês Joseph-Louis Lebret, também um nome fundamental para o urbanismo local, que criaria, com base no movimento economia e humanismo, uma linha de planejamento urbano vinculada essencialmente à questão social. Maia torna-se prefeito uma vez mais, em 1961, quando propõe novamente medidas para sanear as finanças do município e retoma o projeto para um sistema de transporte de metropolitano que elabora em 1956, como chefe da comissão da prefeitura, mas que só é executado na década de 1970.
Fonte: Itaú Cultural