Maria Grauben (Iguatu, CE, 1889 – Rio de Janeiro, RJ, 1972)
Maria Grauben Lima foi pintora autodidata, pioneira na arte naïf brasileira. Ela foi uma artista singular na história da arte brasileira, reconhecida por sua produção pictórica vibrante e original, assim como por uma trajetória marcada por autonomia, coragem e reinvenção. Nascida em Iguatu, no interior do Ceará, em 1889, e falecida no Rio de Janeiro em 1972, Maria Grauben destacou-se como uma das principais representantes do chamado neoimpressionismo naïf, iniciando sua carreira artística na velhice e conquistando reconhecimento nacional e internacional em apenas uma década de atividade.
Antes de ser reconhecida como artista plástica, Maria Grauben já demonstrava ser uma mulher à frente de seu tempo. No início do século XX, em um Brasil ainda dominado por estruturas patriarcais, estabeleceu-se no Sudeste em busca de oportunidades em áreas predominantemente masculinas. Atuou como tradutora de romances franceses para a revista Fon-Fon e foi uma das primeiras mulheres a ocupar um cargo público no Ministério da Fazenda. Tornou-se figura conhecida na cena boêmia carioca, frequentando sozinha confeitarias — comportamento incomum para mulheres naquela época —, onde ouvia intelectuais como Olavo Bilac e Alberto de Oliveira, deslocando-se sozinha de bonde pela cidade.
Esse espírito independente e sensível refletiu-se também na obra de Maria Grauben, que, embora iniciada tardiamente, revelou notável potência expressiva. Começou a pintar aos 70 anos, motivada por uma experiência emocional intensa: o contato com o pôr do sol visto da janela de seu apartamento em Copacabana. Em depoimento ao Museu da Imagem e do Som (MIS), em 1968, relatou ter se emocionado ao ver o sol fundindo-se ao mar, com a luz formando uma esteira sobre as águas. Diante dessa reação, sua sobrinha sugeriu que apenas uma artista choraria diante de tamanha beleza, oferecendo-lhe os primeiros materiais para pintar.
A partir desse momento, Maria Grauben iniciou uma fase de intensa produção autodidata. Sem formação formal, passou a pintar quase diariamente. Suas obras logo chegaram a Ivan Serpa, artista e educador ligado ao Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM Rio), que a incentivou a seguir e frequentar suas aulas. O apoio de Serpa foi decisivo para sua consolidação como artista, permitindo-lhe desenvolver uma linguagem própria.
A trajetória artística de Maria Grauben foi surpreendentemente rápida e bem-sucedida. Em 1963, participou da 7ª Bienal de São Paulo. Em 1965, teve obras incluídas na mostra 8 peintres naïfs brésiliens, na galeria Jacques Massol, em Paris, ganhando visibilidade no circuito europeu. No ano seguinte, realizou uma grande exposição individual no MAM Rio, com 80 obras, consolidando sua presença no cenário artístico brasileiro.
Embora frequentemente associada à arte naïf e comparada a nomes como Grandma Moses e Séraphine de Senlis, Maria Grauben desenvolveu uma estética singular, marcada por paisagens imaginárias feitas com pequenas pinceladas, em composições luminosas e vibrantes. Sua pintura, intuitiva e lírica, é muitas vezes descrita como um neoimpressionismo pessoal, com referências à natureza tropical e ao universo fantástico. O crítico Mário Pedrosa afirmou que “a arte de Grauben é um generoso esbanjamento dos últimos pólens de vida de uma natureza que se desfaz em uma esteira de cores luminosas.” Já Walmir Ayala identificou a construção de “paisagens imaginárias compostas em pequenas pinceladas, como pontos de luz”, apontando sua abordagem sensível e sofisticada dentro do campo naïf.
Em pouco mais de dez anos, Maria Grauben produziu cerca de três mil pinturas, demonstrando dedicação e intensidade. Suas obras integram acervos importantes como o MAM Rio, o Museu Nacional de Belas Artes (MNBA) e a Collection Cérès Franco, na França. A presença de seus trabalhos nesses acervos reforça sua importância na arte moderna brasileira e sua projeção internacional.
A trajetória e produção de Maria Grauben foram registradas em publicações de referência, como o Dictionnaire des peintres naïfs du monde entier (1976), de Anatole Jakovsky; o Dicionário das Artes Plásticas no Brasil (1969), de Roberto Pontual; e o Dicionário de Pintores Brasileiros (1986), de Walmir Ayala, refletindo o reconhecimento crítico que acompanhou sua carreira.
A história de Maria Grauben destaca-se não apenas pela força de sua obra, mas pelo valor simbólico de sua trajetória. Mulher, nordestina, autodidata e artista tardia, rompeu convenções sociais e artísticas, afirmando uma linguagem poética própria, construída a partir da liberdade e da emoção. Sua vida e obra são testemunhos da força criativa que pode emergir em qualquer fase da vida. Na arte moderna brasileira, Maria Grauben ocupa um lugar especial — o da reinvenção sensível, da coragem imaginativa e da autenticidade sem concessões.