Lula Cardoso Ayres

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Biografia

Lula Cardoso Ayres (Recife PE 1910 - idem 1987)

Pintor, fotógrafo, desenhista, ilustrador, muralista, cenógrafo.

Luiz Gonzaga Cardoso Ayres estuda desenho e pintura com Heinrich Moser, entre 1922 e 1924. Viaja para Paris em 1925, visita a 1ª Exposição Internacional de Arte Decorativa, frequenta museus e ateliês de pintores como Maurice Denis e entra em contato com os movimentos artísticos modernos da Europa. Regressa ao Brasil no ano seguinte. No Rio de Janeiro, estabelece ateliê no bairro de Laranjeiras, frequenta informalmente a Escola Nacional de Belas Artes - Enba, e tem aulas de modelo vivo com Rodolfo Amoedo. No ateliê de Carlos Chambelland, estuda desenho e pintura. Conhece Candido Portinari, de quem se torna amigo. Profissionalmente, realiza cenários para teatro e atua como ilustrador e caricaturista na revista Para Todos.

No fim de 1932, volta a Pernambuco para ajudar a administrar a usina de açúcar da família, e reside em Cucaú, interior do Estado, até 1944. Realiza incursões por pequenos povoados da região e da observação dos costumes, festas, manifestações artísticas populares resultam diversos desenhos e uma extensa produção fotográfica. Interessa-se sobretudo pela cerâmica popular, que procura explorar em sua produção plástica em telas e aquarelas. Em 1934, no 1º Congresso Afro-Brasileiro do Recife, conhece o pintor Cicero Dias, o psiquiatra Ulysses Pernambucano e o sociólogo Gilberto Freyre (1900- 1987), com quem mantém uma forte ligação a partir de então. Os negócios da família sofrem grave crise em 1945, então Lula retorna ao Recife e procura alternativas para sustentar-se economicamente. Executa painéis e murais em várias cidades brasileiras, entre ele se destaca o elaborado para o Aeroporto dos Guararapes, no Recife, que retrata a vida cotidiana e festiva nordestina e faz ilustrações para obras de autores como Manuel Bandeira (1886 - 1968) e Ascenso Ferreira. Em 1947, funda um curso de desenho para crianças. Como professor, atua na Escola de Belas Artes do atual Centro de Artes e Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco - UFPE.

No início da década de 1950, sua produção volta-se para o abstracionismo. Participa das três primeiras Bienais de São Paulo, entre 1951 e 1955. Em 1960, realiza exposição retrospectiva no Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand - Masp, organizada por Pietro Maria Bardi, com destaque aos seus trabalhos mais recentes. Em meados dos anos 1960, sua produção retoma a figuração em representações femininas, de bichos ou animais fantásticos. Realiza, em 1984, painéis para o metrô do Recife. Após sua morte, é homenageado pela Associação dos Artistas Plásticos Profissionais do Recife.

Comentário crítico

A formação artística de Lula Cardoso Ayres se inicia cedo, aos 12 anos, trabalhando como ajudante do artista alemão Heinrich Moser no Recife, com quem adquire os primeiros conhecimentos das técnicas artísticas.

Viaja por Paris por um ano, e ao retornar, em 1926, aprimora sua formação estudando com Carlos Chambelland, e dessa experiência recorda dos exercícios de desenho com modelos de gesso, que lhe conferem o domínio dos meios-tons na representação dos volumes.

Sua inserção profissional no meio das artes se dá inicialmente através da ilustração, atividade que exerce com intensidade nos anos 1930 no Rio de Janeiro, e retoma na década de 1940 no Recife. Em sua produção gráfica carioca, que frequentemente retrata a figura feminina e as novas conquistas da modernidade, nota-se a influência do art déco.

Em 1931, produz a ambientação para o espetáculo O Espelho de Próspero, sendo responsável pela criação dos painéis, escolha dos móveis e decoração. O partido não realista e subjetivo de sua cenografia, uma ousadia para os padrões da época, desperta o interesse de teatrólogos como Paschoal Carlos Magno e Renato Viana, que publicam comentários elogiosos a respeito do artista na imprensa. Outro trabalho que realiza nesse campo é a pintura de um grande painel para o carnaval do Clube Internacional do Recife, em 1941, em que retrata cenas do maracatu, do cortejo de reis e outras folias populares.

Em seu processo de pesquisa artística, Ayres começa a realizar fotografias sobre diversos aspectos da vida das populações rurais. No decorrer dos anos 1930 e 1940, intensifica o interesse antropológico por modos de vida e rituais, em parte estimulado pela convivência com o poeta Ascenso Ferreira e o sociólogo Gilberto Freyre. Produz grande quantidade de fotografias e também diversos desenhos de manifestações como o bumba meu boi, o maracatu, o carnaval, os rituais do candomblé e de populações indígenas. Parte das fotografias hoje integra o acervo do Museu do Homem do Nordeste.

De sua vivência no interior de Pernambuco, se interessa acima de tudo pela cerâmica popular. Ao tomar contato com essa produção, procura transferir para o desenho e a pintura as cores e formas das esculturas de barro. Os primeiros desenhos realizados buscando representar a forma e a constituição dos bonecos de barro datam de 1940. Para o crítico Clarival do Prado Valladares, autor de um cuidadoso estudo sobre o artista, a descoberta da cerâmica popular orienta grandemente a produção de Ayres, e é o caminho pelo qual ele se aproxima do cubismo sintético. Tal referência à cerâmica pode ser notada nas formas maciças da figura humana, nos volumes arredondados da vegetação e na estaticidade dos bichos em trabalhos como os óleos sobre tela Representação do Bumba-Meu-Boi e Noivado no Copiar e nas aquarelas Bolo de Noiva e Passeio a Cavalo, todos de 1943.

Em um conjunto de trabalhos, produzidos entre 1945 e 1946, Ayres explora as fantasmagorias e assombrações. Tal universo, que remete as narrativas e crenças populares do Recife, aparece em obras como Capela Mal Assombrada, Sofá Mal-Assombrado, Vestindo a Noiva e Enterro, entre outras.

Sua produção pictórica, de meados ao fim dos anos 1940, é marcada por telas com temática social, representando figuras e paisagens regionais, como Retirantes, Meninas Pedindo Esmola, Cego Violeiro, todas de 1947, presentes na retrospectiva do Itamaraty realizada na década de 1970, ressaltando essa faceta do artista. Figuras do carnaval recifense, do frevo, do maracatu, do bumba meu boi, e cortadores de cana são frequentemente retratadas em suas pinturas.

No início da década de 1950, sua produção caminha para o abstracionismo, mas sem abrir mão totalmente da figuração. Tal mudança de linguagem explica-se em parte pelo impacto, reconhecido pelo artista, da realização das primeiras Bienais de São Paulo. As telas Ex-Votos e Três Ex-Votos, elaboradas em 1951, são exemplos da solução particular explorada pelo artista nessa fase, que trabalha sobre a figura, pretendendo chegar a sua síntese. Em trabalhos em têmpera, como Dançarinas ou Pássaro Vermelho, ambos de 1952, as cores ganham relevância sobre o desenho. Em telas como Rei e Rainha do Maracatu, de 1959, o artista alcança a síntese das figuras por meio da esquematização geométrica. Ayres volta ao tema em Rainha do Maracatu, de 1972, óleo sobre tela pertencente ao Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand - Masp, com um tratamento mais figurativo.

No decorrer da década seguinte, Ayres pinta novamente figuras femininas misteriosas, em telas como Vulto na Porta e Mulheres com Manto, produzidas em 1964. Nos anos 1970, dedica-se principalmente a pintar a figura feminina da mulata e da morena, em telas como Cabeça de Mulata, de 1970, na qual a mulher é retratada com olhos vazados e volumosos cabelos compridos.

A partir de meados dos anos 1970, produz diversas pinturas em que surgem bichos imaginários usando tinta acrílica. Nesses trabalhos, emprega cores fortes e contrastantes e largos contornos em preto que dão forma a bichos, como pássaros, emas, bois e outros seres inventados.

A grande maioria de seus trabalhos pode ser vista no Instituto Cultural Lula Cardoso Ayres, em Jaboatão de Guararapes, Pernambuco. Criado em 1993 por iniciativa da família, o instituto tem no acervo mais de 300 obras do artista, entre pinturas, desenhos, fotografias, ilustrações e trabalhos gráficos, estudos e projetos de suas cenografias e murais.

Críticas

"Em pouco mais de quarenta anos, a obra de Lula Cardoso Ayres vem percorrendo o caminho que o levou do aproveitamento da base popular mais próxima até a experiência de uma abstração desinteressada de pureza absoluta e o reingresso dos últimos anos na figuração de atmosferas liricamente surrealistas. No entanto, convém não encarar cada uma dessas fases como acontecimentos repentinos e sucessivos, mas como manifestações simultaneamente presentes, em graus distintos, a cada momento de desenho e pintura. Apenas na fase inicial, resultante da vivência no interior de Pernambuco e da pesquisa da cerâmica popular genuína ali produzida, seria possível encontrar individualizado um só dos três rumos; quis Lula, então, transferir para o seu trabalho, segundo recriação ao mesmo tempo realista e transfiguradora, certas cores, volumes e cenas típicas dessas toscas esculturas em barro, amoldando-as ao plano do papel ou da tela. Mas, já a seguir, dois novos elementos de estilo viriam acrescentar-se àquele ponto de partida: de um lado, o emprego do fantástico, que pertence a tantas áreas das manifestações de religiosidade popular; do outro, o encaminhamento para a abstração analógica, aproximando-se às vezes dos recursos infantis de lirismo característicos de Miró. Ambas as tendências lhe serviram, por exemplo, para focalizar de modo distinto e em épocas não muito distanciadas o bumba-meu-boi nordestino, dramatizando-o em estranhas luminosidades, no primeiro caso, e reduzindo-o a sínteses quase gráficas, no segundo".
Roberto Pontual
PONTUAL, Roberto. In: ______. Arte/Brasil/hoje: 50 anos depois. São Paulo: Collectio, 1973.

Exposições Individuais

1946 - Recife PE - Mostra, na Faculdade de Direito do Recife
1946 - São Paulo SP - Mostra, na Galeria Itapetininga
1946 - Rio de Janeiro RJ - Mostra, no MEC
1952 - Rio de Janeiro RJ - Individual, no MAM/RJ
1960 - São Paulo SP - Individual, no Masp
1961 - Salvador BA - Individual, no MAM/BA
1962 - Rio de Janeiro RJ - Individual, na Galeria Bonino
1966 - São Paulo SP - Individual, na Galeria Oca
1968 - Recife PE - Retrospectiva, no Palácio do Governo
1968 - Salvador BA - Individual, no MAM/BA
1968 - Salvador BA - Individual, no Teatro Castro Alves

Exposições Coletivas

1928 - Rio de Janeiro RJ - 35ª Exposição Geral de Belas Artes, na Enba
1934 - Recife PE - 1º Congresso Afro-Brasileiro, organizado por Gilberto Freyre
1951 - São Paulo SP - 1ª Bienal Internacional de São Paulo, no Pavilhão do Trianon 
1952 - Paris (França) - Salão de Maio
1952 - Rio de Janeiro RJ - Exposição de Artistas Brasileiros, no MAM/RJ
1953 - São Paulo SP - 2ª Bienal Internacional de São Paulo, no Pavilhão dos Estados
1955 - São Paulo SP - 3ª Bienal Internacional de São Paulo, no Pavilhão das Nações 
1960 - Recife PE - Pintores Pernambucanos Contemporâneos, no Centro de Artes e Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco   
1960 - São Paulo SP - Coleção Leirner, na  Galeria de Arte das Folhas
1961 - São Paulo SP - 6ª Bienal Internacional de São Paulo, no Pavilhão Ciccilo Matarazzo Sobrinho 
1962 - São Paulo SP - Seleção de Obras de Arte Brasileira da Coleção Ernesto Wolf, no MAM/SP  
1962 - Washington (Estados Unidos) - Coletiva, na União Pan-Americana
1969 - São Paulo SP - Coletiva de inauguração do Paço das Artes
1972 - Brasília DF - Retrospectiva de 50 Anos de Trabalho, no Palácio do Itamaraty
1972 - São Paulo SP - Arte/Brasil/Hoje: 50 anos depois, na Galeria da Collectio
1972 - São Paulo SP - A Semana de 22: antecedentes e consequências, no Masp
1974 - São Paulo SP - Tempo dos Modernistas, no Masp
1976 - São Paulo SP - O Desenho em Pernambuco, na Galeria Nara Roesler 
1982 - Lisboa (Portugal) - Brasil 60 Anos de Arte Moderna: Coleção Gilberto Chateaubriand, no Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão 
1982 - Londres (Inglaterra) - Brasil 60 Anos de Arte Moderna: Coleção Gilberto Chateaubriand, na Barbican Art Gallery  
1982 - Penápolis SP - 5º Salão de Artes Plásticas da Noroeste, na Fundação Educacional de Penápolis. Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Penápolis 
1982 - São Paulo SP - Do Modernismo à Bienal, no MAM/SP
1983 - Recife PE - 50 Anos de Casa Grande & Senzala, na Fundação Joaquim Nabuco
1984 - Aracaju SE - 50 Anos de Casa-Grande & Senzala 
1984 - Brasília DF - 50 Anos de Casa-Grande & Senzala 
1984 - Lisboa (Portugal) - 50 Anos de Casa-Grande & Senzala, no Museu Gulbenkian da Fundação Calouste Gulbenkian  
1984 - Salvador BA - 50 Anos de Casa-Grande & Senzala 
1984 - São Paulo SP - Coleção Gilberto Chateaubriand: retrato e auto-retrato da arte brasileira, no MAM/SP
1984 - São Paulo SP - Tradição e Ruptura: síntese de arte e cultura brasileiras, na Fundação Bienal
1984 - Vitória ES - 50 Anos de Casa-Grande & Senzala
1986 - Brasília DF - Pernambucanos em Brasília, na Galeria de Arte da ECT
1986 - São Paulo SP - Tempo de Madureza, na Ranulpho Galeria de Arte
1987 - São Paulo SP - O Ofício da Arte: pintura, no Sesc
1999 - São Paulo SP - Cotidiano/Arte.  O Consumo - Metamorfose do Consumo, no Itaú Cultural

Exposições Póstumas

1989 - São Paulo SP - Cor de Pernambuco, na Ranulpho Galeria de Arte
1989 - Recife PE - Individual, na Artefacto Nordeste
1991 - Recife PE - Retrospectiva Reviver Lula Cardoso Ayres, na Galeria Vicente do Rego Monteiro da Fundação Joaquim Nabuco
1991 - Recife PE - Reviver Lula Cardoso Ayres, na Galeria Vicente do Rego Monteiro/Fundação Joaquim Nabuco
1993 - Recife PE - Individual, na Ranulpho Galeria de Arte
1994 - Recife PE - Homenagem ao artista no Dia do Artista Plástico, na Associação dos Artistas Plásticos Profissionais
1999 - São Paulo SP - Cotidiano/Arte. O Consumo, no Itaú Cultural 
2000 - Recife PE - Ateliê Pernambuco: homenagem a Bajado e acervo do Mamam, no Mamam
2001 - Brasília DF - Coleções do Brasil, no Centro Cultural Banco do Brasil 
2003 - Recife PE - Ver de Novo/Ver o Novo, no Mamam 
2003 - Rio de Janeiro RJ - Tesouros da Caixa: arte moderna brasileira no acervo da Caixa no Conjunto Cultural da Caixa

Fonte: Itaú Cultural