Lina Bo Bardi

Obras de arte disponíveis

Lina Bo Bardi - Igreja

Igreja

aquarela e nanquim sobre papel32,5 x 50 cm

Biografia

Lina Bo Bardi (Roma, Itália 1914 - São Paulo SP 1992)

Lina Bo Bardi foi uma das mais importantes arquitetas modernistas do Brasil, além de designer, cenógrafa, editora e ilustradora, reconhecida por sua contribuição singular à arquitetura moderna e ao design brasileiro. Sua produção criou uma ponte decisiva entre o racionalismo europeu e a vivência popular do país, influenciando profundamente o cenário cultural e arquitetônico do século XX.

Achillina Bo, mundialmente conhecida como Lina Bo Bardi, nasceu em Roma em 5 de dezembro de 1914 e faleceu em São Paulo em 20 de março de 1992. Formou-se em 1940 na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Roma, período em que rompeu com o tradicionalismo de Marcello Piacentini. Mudou-se para Milão, onde trabalhou com Giò Ponti, fundador da revista Domus. Ganhou notoriedade e abriu seu próprio escritório, mas enfrentou dificuldades durante a Segunda Guerra Mundial, tendo seu ateliê bombardeado em 1943. Nesse contexto, Lina Bo Bardi atuou na resistência à ocupação nazista, ingressou no Partido Comunista Italiano e colaborou com Bruno Zevi na revista A Cultura della Vita.

Em 1946, Lina Bo Bardi casou-se com Pietro Maria Bardi. Movidos pelos traumas da guerra e pela busca de um recomeço, emigraram para o Brasil em 1947, país que Lina adotaria como sua “pátria de escolha”, naturalizando-se brasileira em 1951. A arquiteta inicialmente desejava viver no Rio de Janeiro e ficou impressionada com o edifício modernista do Ministério da Educação e Saúde, de Lucio Costa com consultoria de Le Corbusier. No entanto, estabeleceu-se em São Paulo, onde construiria grande parte de sua trajetória.

No Brasil, Lina Bo Bardi encontrou o ambiente ideal para desenvolver seus princípios modernos articulados com a cultura popular. Em 1948, fundou o Studio d’Arte Palma, dedicado à criação de móveis com madeira compensada e materiais acessíveis. Nesse período, envolveu-se intensamente com o MASP, idealizado por Assis Chateaubriand, projetando espaços expositivos e peças icônicas como a cadeira dobrável do auditório, considerada a primeira cadeira moderna do país.

Lina Bo Bardi iniciou também uma coleção de arte popular brasileira, que passou a influenciar diretamente sua produção. Sua obra começou a traduzir o diálogo entre o moderno e o popular, valorizando o cotidiano e a criação coletiva como bases da arquitetura. Essa visão percorre todos os seus projetos, pautados pela integração social e pelo respeito à cultura local.

Em 1950, Lina Bo Bardi fundou a revista Habitat, uma das grandes publicações culturais da época, onde difundia suas reflexões sobre arte, arquitetura e sociedade. Em 1951, projetou sua própria residência no Morumbi — a Casa de Vidro — marco do racionalismo e da integração com a paisagem tropical. Com esse projeto, iniciou uma fase marcada pela relação entre arquitetura e natureza, com ênfase na simplicidade estrutural.

Em 1957, Lina Bo Bardi iniciou o projeto do novo MASP na Avenida Paulista, inaugurado em 1968. O edifício tornou-se símbolo da arquitetura moderna brasileira, com o célebre vão livre de 70 metros sustentado por pilares vermelhos, propondo um espaço democrático de acesso à arte. A obra consolidou Lina como uma das principais figuras da modernidade latino-americana.

Em 1958, Lina Bo Bardi foi convidada por Diógenes Rebouças para palestrar na Bahia, iniciando sua forte relação com Salvador. Dirigiu o MAM-BA, restaurou o Solar do Unhão e organizou exposições voltadas à cultura popular. Aproximou-se de Pierre Verger, Glauber Rocha e Carybé, sendo chamada de “Dona Lina” pelos baianos. Permaneceu na cidade até 1964, quando o golpe militar restringiu sua atuação.

De volta a São Paulo, Lina Bo Bardi aprofundou sua pesquisa da “arquitetura pobre”, baseada em materiais brutos, soluções simples e espaços apropriados pelo uso cotidiano. Essa filosofia culminou no SESC Pompeia, iniciado em 1977 e inaugurado em 1982, transformando uma antiga fábrica em centro cultural e esportivo que se tornou referência mundial. A obra reafirmou sua defesa do convívio e da criatividade coletiva.

Outro marco de Lina Bo Bardi foi a reforma do Teatro Oficina, em 1984, com José Celso Martinez Corrêa, criando um espaço cênico político e não convencional, rompendo com o palco italiano. A proposta desafiava modelos tradicionais ao propor uma arquitetura horizontal e integrada ao público.

Nos anos 1980, Lina Bo Bardi voltou a atuar em Salvador, participando da restauração do Centro Histórico, reconhecido pela UNESCO. Trabalhou com Marcelo Ferraz, Marcelo Suzuki e Lelé em projetos como a Casa do Benin e o Espaço Coati, reforçando sua visão de patrimônio como elemento vivo e cotidiano.

Lina Bo Bardi manteve produção intensa até o fim da vida. Morreu em 1992, aos 77 anos, enquanto trabalhava na reforma da Prefeitura de São Paulo, projeto que não chegou a concluir. Sua visão ética e sensível da arquitetura aparece em uma de suas frases célebres:

“Tenho horror em projetar casas para madames, onde entra aquela conversa insípida em torno da discussão de como vai ser a piscina, as cortinas. (...) Gostaria muito de fazer casas populares.”

Projetos como o SESC Pompeia e a Casa Valéria Cirell reforçam sua crítica à elitização da arquitetura e sua defesa da coletividade.

Após sua morte, Lina Bo Bardi tornou-se referência internacional. Seus temas — cultura, meio ambiente, patrimônio e produção material — passaram a orientar debates contemporâneos. Em 2021, recebeu postumamente o Leão de Ouro da 17ª Mostra Internacional de Arquitetura da Bienal de Veneza, tornando-se a primeira brasileira a receber a honraria. A curadoria destacou sua capacidade de unir design, ativismo, curadoria e pedagogia, mantendo-se criativa e comprometida com o coletivo em contextos difíceis.

Lina Bo Bardi consolidou-se como uma das figuras centrais da arquitetura e do design no Brasil, influenciando gerações de arquitetos e artistas e fortalecendo debates sobre cultura, patrimônio, meio ambiente e o papel social da arquitetura no século XXI.

Notas
1 "Aqueles que deveriam ter sido anos de sol, de azul e alegria, eu passei de baixo da terra correndo e descendo sob bombas e metralhas". BARDI, Lina Bo. Curriculum literário. In: ______. Lina Bo Bardi. São Paulo: Instituto Lina Bo e P. M. Bardi, 1993. p. 11.

2 "Quando a gente nasce, não escolhe nada, nasce por acaso. Eu não nasci aqui, escolhi esse lugar para viver. Por isso, o Brasil é meu país duas vezes, é minha 'Pátria de Escolha', e eu me sinto cidadã de todas as cidades, desde o Cariri, ao Triângulo Mineiro, às cidades do Interior e as da Fronteira." BARDI, Lina Bo. Curriculum literário. In: ______. Lina Bo Bardi. São Paulo: Instituto Lina Bo e P. M. Bardi, 1993. p. 12.

Comentário crítico

Lina Bo Bardi foi uma arquiteta, designer, cenógrafa e editora que se destacou por uma abordagem interdisciplinar e profundamente antropológica da cultura brasileira. Ao chegar ao país em 1946, trouxe um olhar atento à convergência entre vanguarda estética e tradição popular, descrevendo o Brasil como “um lugar inimaginável, onde tudo era possível”. Sua formação, marcada tanto pelo racionalismo de Le Corbusier quanto pelo pensamento marxista de Antonio Gramsci, revelou-lhe a cultura popular como base para uma modernidade verdadeiramente brasileira.

A arquiteta via o país como território de cultura viva, ainda não submetido por completo às lógicas da industrialização, mas reconhecia também os limites do artesanato rudimentar e a necessidade de um desenvolvimento industrial que preservasse raízes culturais sem vulgarizá-las. Durante sua permanência em Salvador, entre 1958 e 1964, Lina Bo Bardi se engajou no movimento vanguardista baiano, colaborando com artistas como Glauber Rocha e Caetano Veloso. Essa fase rendeu soluções diretas e inventivas, como a escada de madeira do Solar do Unhão (1959), a cadeira de beira de estrada (1967) e a curadoria da exposição Bahia no Ibirapuera (1959).

Com o golpe militar de 1964, sua prática arquitetônica tornou-se ainda mais radical, distanciando-se de modelos tradicionais e valorizando materiais simples e formas brutas. Obras como o MASP e o Sesc Pompeia consolidaram o conceito de “arquitetura pobre”, que criticava o refinamento elitista e privilegiava estruturas francas, socialmente abertas e experimentalmente ousadas. O famoso vão livre de 70 metros do MASP permanece como um dos gestos estruturais mais emblemáticos de Lina Bo Bardi.

Nos anos 1980, a arquiteta retornou a Salvador para trabalhar em projetos como a Casa do Benin (1987) e a recuperação da Ladeira da Misericórdia, integrando preservação histórica e soluções contemporâneas. Nesse período, recorreu a tecnologias desenvolvidas por João Filgueiras Lima (Lelé), como os painéis pré-moldados, buscando conciliar memória e inovação.

Descrita por Bruno Zevi como uma “herética em vestes aristocráticas”, Lina Bo Bardi desafiou convenções estéticas e institucionais, construindo um legado decisivo para a arquitetura brasileira. Sua obra traduz uma busca constante por formas genuínas de representar a cultura nacional, tornando-a uma das personalidades mais inovadoras e influentes do modernismo no Brasil.

Notas
1BARDI, Lina Bo. Curriculum literário. In: ______. Lina Bo Bardi. São Paulo: Instituto Lina Bo e P. M. Bardi, 1993. p. 12.

2 WISNIK, Guilherme. Lina Bo Bardi - A interpretação cultural do Brasil 'pós-Brasília'. Disponível em: [www.vitruvius.com.br/drops/drops14_03.asp]. Artigo publicado originalmente no jornal Folha de S. Paulo, caderno Ilustrada, 11 jan. 2006.

3 BARDI, Lina Bo. Um balanço dezesseis anos depois [1980]. In: SUZUKI, Marcelo (org.). Tempos de grossura: o design no impasse. São Paulo: Instituto Lina Bo e P. M. Bardi : Fundação Vilanova Artigas, 1994. p. 13.

4 Ver: RISÉRIO, Antonio. Avant-garde na Bahia. São Paulo: Instituto Lina Bo e P. M. Bardi, 1995. Os outros estrangeiros listados por Risério são os músicos eruditos Hans Joachim Koellreutter (1915 - 2005), Ernst Widmer (1927 - 1990), Walter Smetak (1913 - 1984), e o professor de literatura Agostinho da Silva (1906 - 1994).

5 BARDI, Lina Bo. Sesc Fábrica da Pompéia. In: ______. Lina Bo Bardi. São Paulo: Instituto Lina Bo e P. M. Bardi, 1993. p. 230.

6 ZEVI, Bruno. Lina Bo Bardi: un architetto in tragitto ansioso. Caramelo 4 (Lina: Caderno Especial). São Paulo: GFAU, 1992, s/n.

Veja também