Julia Kater (Paris, 1980)
Julia Kater é uma artista visual cuja obra se desenvolve no cruzamento entre fotografia, colagem e vídeo, sempre orientada por uma investigação rigorosa sobre os modos de construção da imagem e sobre a fragilidade dos mecanismos de percepção, memória e narrativa. Francesa radicada no Brasil desde a juventude, vive e trabalha em São Paulo, onde consolida, ao longo de mais de duas décadas, uma produção marcada pelo constante deslocamento entre fragmentos, tempos e camadas visuais, além de uma trajetória institucional que inclui exposições individuais em espaços como o Museu Oscar Niemeyer, o Instituto Tomie Ohtake, a Caixa Cultural e a Simões de Assis Galeria de Arte, bem como participação em eventos internacionais de relevância como Rencontres Internationales Paris/Berlin, Chicago Underground Film Festival, Lichter Film Festival e Anthology Film Archives.
Sua formação múltipla, graduada em Fotografia pela ESPM São Paulo (2004), em Pedagogia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2003) e pós-graduada em Psicomotricidade pelo ISPEGAE OIPR em Paris, revela um interesse profundo pelas relações entre corpo, experiência, aprendizagem e imagem. Esses eixos estruturam sua pesquisa artística, que busca compreender a tensão entre o que se mostra e o que escapa, entre o visível e as zonas de apagamento inerentes ao ato de lembrar. Esse percurso se expande ainda mais com sua seleção para a residência na Cité Internationale des Arts, em Paris, em 2025, e com o reconhecimento obtido pelo Prêmio Funarte de Arte Contemporânea em 2011.
A fotografia como fragmento e reconstrução
A base de sua produção se encontra na fotografia, mas sua prática está longe de se restringir ao registro direto. Para Kater, toda imagem fotográfica nasce como fragmento, um recorte que, ao isolar uma porção da realidade, inevitavelmente produz uma ausência. É a partir dessa consciência, da imagem entendida como fração e perda, que a artista constrói composições que se desfazem e se recompõem dentro do mesmo gesto.
Em suas séries fotográficas, o enquadramento deixa de ser apenas uma delimitação da cena e se torna um instrumento de rearticulação. A artista explora deslocamentos contínuos, aproximações radicais e reorganizações que fazem com que as imagens deixem de funcionar como documentos e passem a constituir um novo campo de sentido. Um céu pode ser expandido ou reduzido; um horizonte pode ser duplicado ou fraturado; um detalhe aparentemente marginal pode tornar-se protagonista ao ser repetido ou realocado.
Seu trabalho lida, assim, com a instabilidade da experiência visual. Aquilo que vemos nunca é apenas reflexo do real, mas resultado de operações constantes de recorte, memória, reorganização e disputa entre tempos distintos.
A colagem como corpo e gesto
Se na fotografia a artista tensiona o enquadramento, na colagem esse gesto explode em corporalidade. Suas colagens não são meros exercícios de composição, mas construções densas, realizadas através do corte manual de múltiplas impressões fotográficas. Fragmentos são sobrepostos e organizados em camadas que formam passagens visuais delicadas, marcadas por transições sutis de cor e textura.
Esses acúmulos de camadas evocam atmosferas, gradações cromáticas e variações de luz que parecem condensar o próprio ritmo da passagem do tempo. Há paisagens que não pretendem remeter a um espaço identificável, mas a uma sensação temporal. Céus, mares e superfícies terrestres surgem como instâncias em constante disputa. Planos deslizam, avançam, recuam; elementos reivindicam uns aos outros seu lugar dentro da composição, instaurando uma dinâmica de ocupação e retirada que desestabiliza qualquer ideia fixa de paisagem.
Nessas obras, a imagem chega a se impor à experiência direta. Não é reflexo do vivido, mas construção simbólica de algo que ocupa o lugar da memória. A colagem se torna uma metáfora visual do próprio funcionamento da lembrança, sempre parcial, sempre rearranjada, sempre vulnerável às forças do esquecimento.
O vídeo e a linguagem que falha
Sua produção em vídeo aprofunda, em outro registro, a investigação sobre o ato de construir sentido. Muitas de suas peças encenam tentativas persistentes de dar forma a experiências que resistem à tradução. Há sempre um gesto em andamento: empilhar, remover, sustentar, reconstruir. Mas cada gesto é tensionado por algo que o desvia, seja uma força externa, uma ruína que retorna ou um ruído que interrompe.
Nos vídeos, a linguagem parece sempre à beira do colapso. A artista lida com um vocabulário visual e verbal que falha, hesita e se desfaz, revelando que a comunicação humana é permeada por lacunas inevitáveis. O movimento é contínuo, mas nunca conclusivo. Essa insistência em construir e reconstruir, sem chegar a um final, expõe a fragilidade das narrativas que sustentam a experiência cotidiana.
O que foi negligenciado, um objeto, uma frase, um gesto interrompido, retorna como ruína, interferindo no presente e contaminando a paisagem. O tempo nos vídeos de Kater não é linear. Ele escorre, rebenta, se acumula e se repete, como se o próprio ato de lembrar fosse um ciclo sem resolução.
Pesquisa artística: memória, corpo e improbabilidade visual
Ao longo de sua trajetória, Julia Kater desenvolveu uma pesquisa consistente voltada à elaboração de um corpo de obras que proponham uma reflexão profunda sobre a improbabilidade da imagem, sua vulnerabilidade, sua instabilidade e sua potência simbólica. Essa construção estética e conceitual acompanha a inserção da artista em importantes coleções públicas, como o Museu de Arte do Rio, o Museu Oscar Niemeyer, a Fundación Luis Seoane na Espanha, a Fundação PLMJ em Portugal e o Museu de Arte de Ribeirão Preto, o que reforça a amplitude e a relevância institucional de sua produção.
Seja pela sobreposição de impressões fotográficas que criam paisagens impossíveis, seja pelos vídeos que fragmentam ações e frases, a artista trabalha com cenas corriqueiras que ganham espessura poética ao se aproximarem da tenaz memória humana. Suas obras lidam com o embate constante entre lembrar e esquecer, entre construir e perder, entre aquilo que define a vida e aquilo que, pouco a pouco, se dissolve.
Exposições Individuais
2023 – Curitiba (Brazil) – À Altura dos Olhos, Simões de Assis
2021 – São Paulo (Brazil) – Quase um, Simões de Assis
2019 – Curitiba (Brazil) – O que nos assiste, SIM Galeria
2018 – Curitiba, Paraná (Brazil) – Breu, Museu Oscar Niemeyer
2018 – São Paulo (Brazil) – Zonas de Gatilho, SIM Galeria
2017 – Veneza (Italy) – Acordo, Palazzo Rossini, GAA Foundation
2017 – Rio de Janeiro (Brazil) – Acordo, Galeria IBEU
2016 – São Paulo (Brazil) – Da Banalidade: vol.1, Instituto Tomie Ohtake
2016 – Tiradentes, Minas Gerais (Brazil) – O que resta, SESI Tiradentes, Centro Cultural Yves Alves
2016 – Belo Horizonte, Minas Gerais (Brazil) – O que resta, SESI Minas
2016 – Jataí, Goiás (Brazil) – No lugar que chegamos, Museu de Arte Contemporânea
2014 – Brasília, DF (Brazil) – Como se fosse, Programa de Ocupação Caixa Cultural
2014 – Curitiba (Brazil) – Julia Kater, SIM Galeria
2012 – Paris (France) – Julia Kater, VL Contemporary
2012 – Lisboa (Portugal) – Ao mesmo tempo, Fundação Abraço
2012 – São Paulo (Brazil) – Lugar do outro, Zip’up, Galeria Zipper
Exposições Coletivas
2024 – Curitiba (Brazil) – Antes e Agora, Longe e Aqui Dentro, Museu Oscar Niemeyer
2021 – Chicago, USA – Chicago Underground Film Festival
2021 – Frankfurt (Germany) – Lichter Film Festival Frankfurt International
2021 – Mexico – Fisura Festival Internacional de Cine Experimental y Video
2020 – Curitiba (Brazil) – Sensível por natureza – Artistas do acervo, Museu Oscar Niemeyer
2020 – São Paulo (Brazil) – Matéria em desvio, Simões de Assis
2020 – Hawick, Scotland – Seeing Comes Before Words, Alchemy Film & Arts
2019 – Paris (France) – Mutatio, Garage Amelot
2019 – Ragusa (Italy) – Ragusa Foto Festival, Palazzo La Rocca
2018 – New York, USA – Anthology Film Archives
2018 – Albuquerque, USA – 13 edition Experiments in Cinema Festival
2018 – New York, USA – School of Visual Arts, Department of Photography, Video and Related Media
2018 – New York, USA – Nothing Insolation, Pablo’s Birthday Gallery
2018 – São Paulo (Brazil) – Apagamentos, Projeto Fidalga
2018 – Madrid (Spain) – Ação e Reação, Casa do Brasil
2017 – Curitiba (Brazil) – Song for my hands, Museu Oscar Niemeyer
2017 – Bogotá (Colombia) – Abstracción, Galeria El Museo
2017 – Berlin (Germany) – Rencontres Internationales Berlin – New Cinema and Contemporary Art, Haus der Kulturen der Welt
2017 – Paris (France) – Rencontres Internationales Paris – New Cinema and Contemporary Art, Gaîté Lyrique
2016 – Rio de Janeiro (Brazil) – Ao amor do público I, Museu de Arte do Rio (MAR)
2016 – São Paulo (Brazil) – Porque somos elas e eles, Blau Projects
2016 – Curitiba (Brazil) – Toda janela é um projétil, é um projeto, é uma paisagem, SIM Galeria
2016 – Goiânia, GO (Brazil) – Diálogos possíveis 3, Centro Cultural UFG
2016 – Madrid (Spain) – Abstracción / Abstração, Galeria Fernando Pradilla
2016 – New York, USA – Trees in Focus, Sotheby’s
2015 – Assunção (Paraguai) – I Bienal de Assunção
2015 – Porto (Portugal) – Carpe Diem International, Palácio das Artes
2015 – Lisboa (Portugal) – Instantânea – PhotoEspaña, Centro de Arte Carpe Diem
2014 – Sorocaba (Brazil) – Frestas – Trienal de Artes, SESC Sorocaba
2014 – São Paulo (Brazil) – Paisagem Entrópica, SPFW
2014 – São Paulo (Brazil) – Cidade Íntima, Projeto Fidalga
2014 – São Paulo (Brazil) – Compartiarte, Centro Britânico Brasileiro
2012 – Curitiba (Brazil) – Arte Contemporânea SIM, SIM Galeria
2012 – Curitiba (Brazil) – Inventário da Pele, fotografia contemporânea brasileira, SIM Galeria
2012 – Genève (Switzerland) – Soma, VL Contemporary
2011 – São Paulo (Brazil) – Carla Chaim, Julia Kater, Marcia de Moraes: Um de Três, Prêmio FUNARTE de Arte Contemporânea, Galeria Flávio de Carvalho, Complexo Cultural FUNARTE
2011 – Washington, USA – About Change, Banco Mundial
2011 – São Paulo (Brazil) – Projeto Santander, sede do Banco Santander
2011 – Lisboa (Portugal) – Idioma Comum: Artistas da CPLP na Coleção da Fundação PLMJ
2011 – São Paulo (Brazil) – Outras Perspectivas, Espaço Texprima
2010 – Astana (Cazaquistão) – Photofidalga, Modern Art Center Kulanshi
2010 – São Paulo (Brazil) – Projeto Dobradiça, Arterix
2010 – Itajaí (Brazil) – 12º Salão Nacional de Arte de Itajaí
2010 – São Paulo (Brazil) – Fidalga no Paço, Paço das Artes
2010 – São Paulo (Brazil) – Incompletudes, Galeria Virgílio
2010 – São Paulo (Brazil) – SP-Arte / site specific, Pavilhão da Bienal
2009 – São Paulo (Brazil) – Em Torno De, Funarte
2009 – São Paulo (Brazil) – Projeto Tripé – Natureza, SESC Pompéia
2009 – Lisboa (Portugal) – Ateliê Fidalga, Zoon, Carlos Carvalho Arte Contemporânea
Prêmios e Residências Artísticas
2012 – Lisboa (Portugal) – Residência Artística, Carpe Diem Arte e Pesquisa
2011 – São Paulo (Brazil) – Prêmio FUNARTE Artes Visuais
Coleções Públicas
Museu de Arte do Rio (MAR), Rio de Janeiro, Brazil
Museu Oscar Niemeyer (MON), Curitiba, Brazil
Museu de Arte de Ribeirão Preto (MARP), Ribeirão Preto, Brazil
Centro Cultural UFG, Goiânia, GO, Brazil
Fundación Luis Seoane, La Coruña, Spain
Fundação PLMJ, Lisboa, Portugal
Rencontres Internationales Paris / Berlin – New Cinema and Contemporary Art, Paris, France
