Henrique de Souza Filho (Ribeirão das Neves MG 1944 - Rio de Janeiro RJ 1988)
Cartunista, jornalista, escritor.
Cresce na cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais. Por influência do irmão mais velho, Herbert de Souza, o Betinho (1935 - 1997), interessa-se pela militância política. Integra a Juventude Estudantil Católica - JEC, e a União Municipal dos Estudantes Secundaristas - Umes. Acompanhando o irmão, freqüenta o diretório acadêmico da Faculdade de Ciências Econômicas. Além de caricaturas dos líderes estudantis, faz Ilustrações para faixas, cartazes, folhetos e jornais nas campanhas do diretório acadêmico. Publica seus primeiros desenhos no Resmungo, jornal mimeografado da JEC. Inicia o curso de sociologia, na Universidade Federal do Minas Gerais - UFMG, mas o abandona após dois meses. Em 1962, ingressa como revisor na revista Alterosa, mas logo se torna cartunista, a convite do editor da publicação e também escritor Roberto Drummond, o criador do nome Henfil. Em 1965, faz caricatura política para o Diário de Minas. Em 1967, reside no Rio de Janeiro, onde faz charges esportivas para o Jornal dos Sports e colabora nas revistas Visão, Realidade, Placar e O Cruzeiro. A partir de 1969, desenha para o semanário Pasquim e para o Jornal do Brasil. Seus cartuns e charges satirizam as instituições, os costumes e fazem crítica à política. Seus personagens mais conhecidos, são Os Fradinhos, o Capitão Zeferino, a Graúna, o Bode Orelana e Ubaldo, o paranóico. No fim da década de 1970, engaja-se na luta pelo fim do regime militar, pela Anistia e pelas Diretas-Já. Participa da criação do Partido dos Trabalhadores - PT, para o qual produz cartuns e desenhos para confecção de cartazes, camisetas, buttons e outros produtos. Hemofílico, morre em 1988 em decorrência da Aids, contraída em transfusão de sangue.
Comentário crítico
Com humor mordaz e desenho caligráfico, Henfil destaca-se como um dos militantes mais ativos na resistência ao regime militar. De suas mãos saem personagens antológicos como os fradinhos Baixim e Cumprido, a ave Graúna, o bode Orellana, Capitão Zeferino e Ubaldo, o paranóico, que provocam mudanças na história dos quadrinhos brasileiros não tanto pela inovação formal - apesar de ser marcante o seu traço nervoso e espontâneo -, mas pelo uso dessa linguagem gráfica específica como o melhor suporte para crítica e comprometimento social.
Autodidata, em 1964, Henfil trabalha como cartunista na Revista Alterosa, em Belo Horizonte, onde nascem os personagens que anos depois lhe dão reconhecimento nacional, os fradinhos. Em 1965 começa a fazer caricatura política para o Diário de Minas. Após tentativa frustrada de trabalhar em São Paulo, Henfil é levado por Jofre Rodrigues para o Rio de Janeiro para desenhar no Jornal dos Sports, e colaborar ainda nas revistas Visão, Realidade, Placar e O Cruzeiro. Em 1969, estréia os fradinhos no semanário de humor O Pasquim. Bem-comportados e ingênuos no início, os personagens só vão estourar por volta do número 8, quando Henfil começa a colorir suas histórias com uma alta voltagem de sadismo. Como o autor nota, em entrevista, o meio cultural carioca moralista e racista de então ajudou a dar o novo tom às tiras de os fradinhos. À crueldade, à agressividade e ao humor negro de Baixim correspondiam a fraternidade, a ingenuidade e o caráter recalcado de Cumprido. Com seu gesto Top! Top!, o frade Baixim torna-se mania nacional. Mas a violência das tiras de Henfil não passa despercebida à censura, que lhe impõe cortes. Mais tarde, os personagens seriam imortalizados na Revista do Fradim, editada por Henfil.
Henfil trabalha na imprensa sindical como cartunista no fim dos anos 1970. É um dos fundadores do Partido do Trabalhadores - PT, em 1980. Além de desenhista e militante político, destaca-se como escritor, jornalista, dramaturgo e cineasta. Sua obra apresenta um retrato crítico, lúcido e bem-humorado da realidade política e social brasileira dos anos 1970 e 1980. Em 1972, como colaborador do Jornal do Brasil, Henfil cria Zeferino e seus amigos da caatinga, Graúna e Orellana. Esses personagens representam um salto qualitativo no humor gráfico brasileiro ao utilizar a alegoria como arma principal de resistência ao poder. Também apontam um amadurecimento em relação ao caráter visceral de Baixim, como afirma Henfil: "Os fradinhos são neuróticos, passionais, safados porque são da cidade. E não há salvação para cidade. Zeferino é mais social, é da caatinga". As tiras de Capitão Zeferino apresentam de forma muitas vezes mordaz as contradições da modernização capitalista do "sul maravilha" com a realidade cultural e social da "caatinga"; contradição esta que pode ser observada também no interior desta modernização.
De 1977 a 1980, Henfil torna-se colunista e cartunista da revista IstoÉ, escrevendo suas antológicas Cartas da Mãe, reunidas posteriormente em livro (1986). Dirigidas a sua mãe, as cartas comentam os assuntos mais importantes do momento com o estratagema lúdico de se aproveitar da intimidade e liberdade da relação entre mãe e filho para falar dos assuntos mais prementes. Com isso, Henfil acaba "testando" o próprio processo de abertura política em curso no Brasil. Essas cartas são documentos de uma época com menção ao exílio do irmão Herbert de Souza, o Betinho (1935 - 1997) e outros companheiros, às greves dos trabalhadores no ABC e ao surgimento de Lula como um líder sindical, à campanha pela anistia, à movimentação para criação de um novo partido etc.
Instalado em São Paulo no fim dos anos 1970, Henfil tem importante atuação como quadrinista para sindicatos e associações de trabalhadores na Oboré Editorial, juntamente com Angeli (1956), Glauco, Laerte e outros. Em 1978, escreve com Oswaldo Mendes a peça Revista do Henfil, a convite de Ruth Escobar (1936), responsável pela produção do espetáculo. Escreve e dirige o filme Tanga - Deu no New York Times (1986), em que atua, e cria o quadro TV Homem, para o TV Mulher, programa da Rede Globo. Entre seus livros publicados destacam-se: Henfil na China (antes da coca-cola) (1980); Diário de um Cucaracha (1983); Diretas Já (1984); Fradim da Libertação (1984); Como Se Faz Humor Político (1984); Cartas da Mãe (1986). A perspicácia política e social das sátiras de Henfil faz com que seus personagens transcendam o momento histórico imediato a sua criação, tornando-os atuais até hoje.
Hemofílico, Henfil morre em decorrência da aids, contraída numa transfusão de sangue, tornando-se infelizmente símbolo de outra luta, assim como seu irmão Betinho.
Críticas
"Não, não precisava comparar com Da Vinci, o desenho de Henfil não podia ser comparado em qualidade com o do Millôr, com do Ziraldo ou do Jaguar. Henfil sabia muito bem, ele mesmo dizia nas cartas que o desenho era apenas um suporte para suas idéias, o próprio humor era um caminho para a luta que estava empreendendo. O mais estranho é que o desenho comunicava e o humor... ah, era genuíno, sem fórmulas, teatral, com informações de alto nível que podiam ser entendidas por leitores de cultura rasa. Para divertir as pessoas ele não precisava do desenho, eu o vi na 'TV Mulher', simplesmente falando, desarrumando o cenário, aprontando uma zona só com suas idéias e seu gênio verdadeiro. Senti muita falta dele quando o programa dele da Globo acabou, escrevi sobre o fato, na época imagino que ele diria a mim o que disse ao seu amigo Zé Barbosa: 'Lutar pela Liberdade é preciso. Ler Zeferino não é preciso.'"
Norma Pereira Rego
REGO, Norma Pereira. Henfil. In:______. Pasquim: gargalhantes pelejas. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1996. (Arenas do rio, 6). p. 120-121.
"Seu desenho, semelhante no traço e na agressividade ao do francês Reiser, é sucinto e brilhante, e sua produção, apesar de numerosa, mantém uma qualidade e um vigor constantes. Seus primeiros personagens a tornarem-se famosos nacionalmente foram os fradinhos (depois conhecidos como Fradim). A crueldade e a violência desmedida do Fradim exprimia a revolta contra a censura e repressão promovidas pelo regime militar, que teve em Henfil um de seus mais extremados opositores."
Pedro Corrêa do Lago
LAGO, Pedro Corrêa do. Henfil. In: ______. Caricaturistas brasileiros: 1836-1999. Rio de Janeiro: Sextante Artes, 1999. p. 180.
"O Fradim já esgarça todos os limites de comportamentos proscritos ou interditos, tirando meleca do nariz, restos de comida dos dentes ou assumindo posturas lúbricas. (...) ele olha para o leitor da página e faz dele, explicitamente, um cúmplice. (...) Nas tiras do Fradim, até o diabo em pessoa aparece, indignado por ter sido incluído numa frase já dita por Churchill a propósito de Hitler. Henfil não se contenta em expor apenas e exclusivamente as chagas da terra, almeja também turbilhonar o próprio céu, jogando seus dois frades num universo completamente contingente, gratuito e absolutamente desprovido de finalidade e de graça. Graça divina, bem entendido!"
Elias Thomé Saliba
MATTAR, Denise (org.). Traço, Humor & Cia. São Paulo: FAAP, 2003. p.176-178.
Exposições Coletivas
1981 - Rio de Janeiro RJ - Pablo, Pablo!: uma interpretação brasileira de Guernica, na Funarte
1982 - Rio de Janeiro RJ - Universo do Futebol, no MAM/RJ
1985 - Rio de Janeiro RJ - Velha Mania: desenho brasileiro, na EAV/Parque Lage
Exposições Póstumas
2001 - São Paulo SP - Caricaturistas Brasileiros, no Instituto Cine Cultural
2003 - São Paulo SP - Traço, Humor e Cia, no MAB/Faap
2005 - Rio de Janeiro RJ - Henfil do Brasil, no CCBB
Fonte: Itaú Cultural