Edival Ramosa (São Gonçalo, RJ 1940)
Edival Ramosa é pintor, escultor e artista visual afro-indígena brasileiro. Edival Ramosa é um artista cuja trajetória sintetiza as múltiplas camadas da identidade brasileira: afro-indígena, mestiça, ex-combatente, viajante e criador visual. Nascido em 1940, na cidade de São Gonçalo, no estado do Rio de Janeiro, construiu uma obra marcada pela força simbólica, sofisticação técnica e consciência cultural e ancestral. Ao longo da carreira, transita entre a abstração construtiva da tradição europeia e os rituais das culturas indígenas e afro-brasileiras, desenvolvendo um trabalho que integra experiências históricas, espirituais e políticas.
Desde jovem, sua vida foi marcada por deslocamentos e descobertas. Em 1961, aos 21 anos, integrou o Corpo Expedicionário de Paz das Nações Unidas, atuando no Batalhão Suez durante o conflito entre Egito e Israel. Essa vivência teve impacto profundo em sua percepção do mundo e da arte. No Oriente Médio, entrou em contato com culturas milenares, especialmente o Egito, cuja monumentalidade e simbologia foram fontes iniciais de inspiração para sua prática artística.
Em 1964, Edival Ramosa mudou-se para a Itália, estabelecendo-se em Milão por uma década. Nesse período, integrou-se ao vibrante cenário artístico europeu do pós-guerra e trabalhou com artistas como Arnaldo Pomodoro e Lucio Fontana. A convivência com esses nomes e os debates da arte moderna europeia foram decisivos para a consolidação de sua linguagem visual.
Durante sua fase milanesa, sua produção foi marcada pelo rigor técnico e pela influência do construtivismo, arte cinética e op art. Utilizou formas geométricas, jogos ópticos e materiais industriais, como madeira esmaltada, aço inoxidável e acrílico, buscando equilíbrio e precisão visual em sintonia com a estética racional da arte europeia dos anos 1960.
O retorno de Edival Ramosa ao Brasil, em 1974, marcou uma transformação radical em sua trajetória. Estabelecendo-se inicialmente em Cabo Frio, empreendeu uma expedição de um ano e meio entre comunidades indígenas em Roraima. Esse contato com as cosmovisões originárias impactou profundamente sua arte. A partir dessa vivência, passou a incorporar materiais naturais e artesanais como palha, penas, peles, bambus e miçangas, absorvendo valores como simetria, funcionalidade e simbolismo cerimonial.
Essa virada estética foi acompanhada por uma reflexão intensa sobre sua ancestralidade afro-indígena. Edival Ramosa sempre assumiu com clareza sua origem mestiça. Em uma declaração marcante, escreveu: “Negro bastardo. Nascido de mãe negra filha de índios e de pai filho de negra da África e de pai português. […] Pobres índios e pobres mestiços...”. Essa consciência identitária atravessa sua obra, tornando-a uma manifestação visual de resistência cultural e reinvenção histórica diante da violência colonial.
Com essa nova abordagem, Edival Ramosa uniu elementos tecnológicos da tradição europeia a símbolos ritualísticos da herança afro-indígena brasileira. Segundo o crítico Roberto Pontual, “o refinamento, a elegância e o asseio tecnológico de antes fundiram-se, agora, a um contraponto ritualístico”. Sua produção se destaca tanto pelo domínio técnico quanto pela força ancestral, espiritual e crítica que carrega.
A arte de Edival Ramosa desafia os binarismos entre moderno e arcaico, urbano e tribal, arte e artefato. O crítico Jayme Mauricio, no jornal Última Hora em 1973, sintetizou essa complexidade: “Sem lançar manifesto antropofágico, Edival Ramosa faz um campeão do arsenal rítmico, mágico, cromático e místico da cultura afro-indigenista de sua terra...”. Essa leitura revela o núcleo do projeto do artista: dar visibilidade universal às culturas marginalizadas, com dignidade estética e consciência histórica.
Ao longo das décadas, Edival Ramosa construiu um repertório visual que funde racionalidade geométrica com o mistério e a expressividade dos objetos de culto. Suas esculturas evocam instrumentos cerimoniais, máscaras e totens, propondo experiências sensoriais e espirituais. Para ele, o objeto artístico é um mediador entre o visível e o invisível, o passado e o presente.
A importância de Edival Ramosa na arte brasileira contemporânea está em sua capacidade de articular tradições ancestrais com um discurso estético atual. Sua obra vai além do mercado ou das galerias, dialogando com memórias, saberes não hegemônicos e corpos historicamente silenciados.
Em um país onde as populações indígenas e negras enfrentam violências estruturais e racismo histórico, a arte de Edival Ramosa adquire contornos políticos. Contudo, sua linguagem não é panfletária: opera por metáforas, símbolos e vibrações sutis, celebrando a diversidade como valor essencial.
Edival Ramosa participou de diversas exposições nacionais e internacionais, levando consigo o testemunho sensível de suas vivências e heranças culturais. Embora parte de sua obra ainda precise de maior difusão institucional, sua contribuição à arte brasileira é original, profunda e necessária. Seu legado reside não apenas nas obras, mas na transformação da experiência pessoal em linguagem poética de alcance universal.