Reynaldo Assinatura
 

Reynaldo Fonseca – Maneirismo no século XXI


É surpreendente como a obra desse pernambucano permite lembrar de
tantas referências de escolas e a nomes da história da arte. Contudo, vale ressaltar
que os trabalhos de Reynaldo Fonseca não perdem em originalidade, marcados
que são por sua forte personalidade. Depois de algum convívio, identificar
as marcas pessoais do artista não é difícil e pode-se, mesmo, falar em um estilo
próprio, inconfundível e facilmente identificável. O conjunto dos trabalhos reunidos
nesta exposição individual permite tal constatação.

Suas figuras não são transportadas diretamente do mundo real para a tela
o que faz dele – e aí reside uma de suas principais características – um pintor
não-realista. O que vemos é o produto de uma ficção pessoal e idealista, onde até
o uso de um discreto sfumato auxilia na criação de um universo onde o onírico é
a regra e o real a exceção. Daí a sensação de estarmos diante de um imaginário
inquietante, perturbador. Em seu trabalho, o artista lança mão de um vocabulário
hermético e simbólico, não em suas formas – acessíveis ao olhar – mas em seus
significados – quando certamente nem tudo o que parece simples comporta apenas
uma única interpretação.

Em grande parte de suas cenas do cotidiano há uma clara menção aos
mestres alemães e flamengos do XVI e XVII. Aí estão certos ambientes de Vermeer,
revividos pelo artista com uma luz mais solar. Seus retratos, talvez imaginários,
remetem à obra de Ghirlandaio, Bonifácio Bembo, Domenico Veneziano e outros.
De Caravaggio e dos caravaggescos vem certo tenebrismo – esses contrastes
extremos do uso do claro-escuro, surgidos em meio a uma coreografia teatral.
Reynaldo utiliza luzes e sombras com absoluta propriedade, para reforçar tanto
a dramaticidade da cena, quanto sua intenção não-realista.

Pintor por excelência, tantas insinuações das obras de grandes mestres e
escolas históricas não fazem dos quadros de Fonseca um mau anacronismo, muito
pelo contrário, permitem o surgimento de um artista contemporâneo, que insere
em seu desenho seguro e certeiro algumas expressões dos universos medieval,
renascentista e barroco sem, no entanto, deixar de reforçar um anti-classicismo
e uma grande ousadia. Por isso, talvez seja justo afirmar que Reynaldo Fonseca é
um maneirista, no sentido histórico do termo. Tanto quanto alguns dos grandes
surrealistas e, particularmente, Balthus.

Sua obra é feita para ser contemplada com vagar. Os múltiplos e inúmeros
detalhes, a metalinguagem quase sempre com o caráter de um comentário irônico,
o exercício de interpretação e a técnica apurada são motivos para fruirmos de
seus quadros com tranqüilidade e paciência. Pode-se dizer, mesmo, que sua obra
é quase que como um paradoxo, com todo um ambiente histórico de entorno e
uma temática central muito atual.

Por ser a obra de um artista complexo, que vai buscar na história universal
os elementos para transformá-la em uma algo mais acessível, podemos lembrá-lo
como próximo do Movimento Armorial, criado pelo conterrâneo Ariano Suassuna.
Seu nome não consta como integrante direto do Movimento, mas todo o ambiente
criado por sua obra e os recursos por ele utilizados, faz dele um artista muito
próximo do espírito do Armorial.

Independentemente de tantas referências, a obra de Reynaldo Fonseca
merece lugar de destaque no universo artístico brasileiro e é mais do que justo destacar
o valor de seus trabalhos, pela técnica requintada, pela temática bastante
única e pela coerência do conjunto criado ao longo de décadas de trabalho.

Antonio Carlos Abdalla